Cheguei aos EUA no final do mandato Obama e assisti em 2016, espantada, à vitória de Trump. Na altura participei em muitas conversas casuais sobre políticas e perfis de candidatos presidenciais, geralmente feitas de forma apaixonada, mas sempre cordial e respeitosa.
Este ano o clima é diferente. O período eleitoral foi longo, e com a ansiedade e exaustão causadas pela pandemia, penso que toda a gente quer avançar rapidamente para o futuro. O presente é demasiado estranho e imprevisível. A América está, de facto, polarizada de uma forma que nunca vi antes. A sensação é a de que não há mais abertura para diálogo e discussão de planos e visões de futuro (bem patente no desastroso primeiro debate entre os candidatos presidenciais).
Sinto no ar uma atitude de “ou estás comigo, ou estás contra mim”, onde todos crêem deter a razão. Ninguém está indiferente.
Este ano vejo colegas de gabinete a evitar encontros, pois os desentendimentos são demasiado frequentes na expressão de apoio a candidatos distintos. Assisto também pela primeira vez a amigas a levantarem a voz uma à outra, enquanto discutem acesamente o processo de nomeação da mais recente juíza do Supremo Tribunal. O pavio está curto em todo o lado, e as opiniões saem em forma de labaredas.
Eu assisto e tento manter a calma. Não tenho ainda o privilégio do direito de voto neste país. Mas sorrio quando leio notícias dos números recorde de eleitores a votar antecipadamente. Espero que esta paixão se continue a refletir em participação eleitoral massiva. E depois dos votos contados, rezo para que os resultados sejam claros, e que a diferença de votos entre os candidatos seja expressiva e não deixe margem para dúvidas.
Não há mais pachorra para intrigas, manobras e ainda mais tempo de espera. Os acontecimentos de 2019 usaram as nossas reservas de paciência e energia.
O país precisa de um rumo, e o povo de um líder com visão.
Depois das eleições, quero voltar ao trabalho e ver os reencontros entre colegas, e a ouvir as risadas das minhas amigas. Sentir que estamos de novo a caminhar juntos, e preparados para reconstruir os danos que a pandemia e a luta eleitoral nos deixaram.
Tenho esperança num futuro otimista.
Susana Cerqueira é atualmente cientista na equipa do Miami Project to Cure Paralysis, na Miller School of Medicine da University de Miami. Antes de se mudar para os Estados Unidos em 2014, complementou a sua formação científica com a atividade de bailarina, professora e coreógrafa na Escola de Dança Arte Total em Braga.
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